A MINHA HOMENAGEM
AO GRANDE AMIGO ADELINO SERRAS PIRES, QUE ACABA DE NOS DEIXAR FISICAMENTE MAS QUE PERMANECERÁ SEMPRE PRESENTE ENTRE NÓS
O Álbum de Recordações que se segue faz parte de uma série de pequenas biografias dos principais Caçadores Guias do período pré independência de Moçambique, que escrevi há mais de dez anos e publiquei no meu primeiro site "Fauna Bravia, Caça e Caçadores de Moçambique" no início da década passada. Posteriormente e dado que o servidor desse site - o Geocities - deixou de funcionar em 2008, criei em sua substituição um blogue com o mesmo título, que ainda mantenho e onde repus todos esses Álbuns, que agora andam perdidos nos fundos das muitas dezenas de postagens que se seguiram a longo dos anos.
A colocação, agora, deste Álbum no blogue oficial do Grupo de Amigos da Gorongosa e, também, republicado no meu blogue pessoal, visa recordar o que sobre o ADELINO SERRAS PIRES escrevi. Isto porque considero que tudo o que se disser acerca deste grande Homem e grande Profissional, é sempre pouco.
Esta é a minha singela homenagem ao grande amigo Adelino, que tantas saudades deixa e cuja memória venero e conservarei para sempre!
ÁLBUM DE RECORDAÇÕES
(12)
ADELINO SERRAS PIRES
Aos 75 anos, um semblante marcado por muitas desilusões!
UMA VIDA LIGADA AO TURISMO CINEGÉTICO
UMA VIDA LIGADA AO TURISMO CINEGÉTICO
Adelino Serras Pires foi provavelmente dos caçadores mais
polémicos que conheci em Moçambique!
Senhor de uma personalidade invulgar, o
seu relacionamento com as pessoas funcionava em função dos pontos
de vista que cada um defendia. Ele era ( e ainda é), um homem frontal e cheio
de convicções. Exigia de si próprio e dos seus subordinados grande disciplina e
rigor no trabalho, criticando sempre aqueles que não cumpriam estes parâmetros.
Discordar dos seus pontos de vista era, à partida, um desafio ao
desentendimento e isso afastou muita gente do seu caminho, incluindo alguns
colegas de profissão.
Também não era fácil o seu relacionamento
com as autoridades coloniais, que criticava com frequência a propósito de
abusos de poder, favorecimentos e outras injustiças sociais. Isso causava-lhe,
como se calcula, muitos dissabores.
Tornou-se muito conhecido não só no mundo
da caça como no meio comercial e turístico da região centro de Moçambique.
Esteve ligado, entre outras actividades, à empresa familiar que se dedicava ao
comércio e agricultura nas regiões de Tete e Guro; era sócio de uma Agência de
Turismo na cidade da Beira, que foi uma das pioneiras da indústria do turismo
cinegético em Moçambique como concessionária de uma coutada oficial e tinha
também a concessão hoteleira do Parque Nacional da Gorongosa. Em meados da
década de 60 atingiu o seu ponto alto na indústria dos safaris de caça fazendo parte da direcção
técnica e da própria administração da Sociedade de Safaris de Moçambique
(SAFRIQUE), cargo que exerceu até fins de 1973, altura em que esta empresa
decidiu encerrar as suas coutadas devido à acção das guerrilhas. Em 1974
dirigiu os safaris da Moçambique Safarilândia, outra
conceituada empresa do turismo cinegético em Moçambique que tinha a concessão
da Coutada oficial nº 5 e do Parque Nacional do Zinave, junto das margens do
rio Save.
Ele lutou denodadamente pela reactivação
das coutadas de Manica e Sofala, após o 25 de Abril de 1974, conseguindo
acordos com os comandantes locais da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique),
mas a política imposta pelos novos governantes relativamente à caça não
permitiram continuar os safaris em Moçambique.
Conheci este homem no início da época de
caça de 1963, quando fui designado para supervisionar o safari oficial dos Marqueses de Villaverde,
de Espanha, que foram a Moçambique como convidados do Presidente da República
Portuguesa. Este safari decorreu nas Coutadas de Manica e
Sofala e teve início na Coutada 9 que estava concessionada precisamente à
Agência de Turismo da Beira, de que o Adelino era sócio gerente. Esta Coutada
situa-se na região do Guro, a cerca de 450 quilómetros da
Beira, onde a família Serras Pires possuía uma quinta agrícola e lojas
comerciais.
O Adelino e o José Simões (Simões Safaris) foram os
organizadores do safari e guias principais dos quatro
elementos da comitiva dos Marqueses, secundados por outros caçadores guias,
nomeadamente Carlos Costa Neves, Luís Santos, Mariano Ferreira, Francisco
Coimbra e Victor Cabral. O safari foi um sucesso e teve cobertura
jornalística especial, sendo por isso muito divulgado no estrangeiro, sobretudo
em Espanha.
No final do safari dos Marqueses, em 1963, no acampamento
de Kanga N'Thole (Coutada 1) os convidados e colaboradores posando junto dos
troféus. Da esquerda para a direita: o autor desta página, José Simões (da
Simões Safaris), Marqueses de Villaverde, Loli Aznar, Adelino Serras Pires,
Luis Santos e três trabalhadores segurando peles.
(Foto do jornalista Adérito Lopes)
Os Marqueses de Villaverde e seus
acompanhantes (o financeiro Eduardo Aznar e esposa Loli ), voltaram no
ano seguinte para novo safari.
O Adelino foi novamente um dos guias principais, repetindo-se o sucesso do ano
anterior. Fomos de novo companheiros nesta missão e entre nós ficou uma amizade
bem sólida!
O sucesso destes safaris, aliado a outros
igualmente bem sucedidos noutras coutadas de Manica e Sofala, Inhambane e Gaza,
em que participaram individualidades da alta finança, escritores, artistas de
cinema e outros famosos coleccionadores de troféus, foi rapidamente
conhecido praticamente em todo o mundo. Moçambique passou, em consequência
disso, a ser procurado por muitos caçadores turistas, nomeadamente de Espanha e
dos Estados Unidos da América. A partir daí os calendários dos promotores de safaris passaram a estar preenchidos, com
reservas de um e mais anos de antecedência!
Com Stuart Roosa, comandante da Apollo 14, junto de uma palapala, abatida na coutada 6.
(Foto extraída do Livro "Ventos de
Destruição")
As Coutadas de Manica e Sofala, que na
altura tinham excelentes condições quanto a quantidade e diversidade de
animais, não possuíam, contudo, infra-estruturas capazes de receber a avalanche
de clientes que após os safaris dos Villaverdes procuraram Moçambique.
Os seus concessionários também não estavam capitalizados para melhorar a
indústria de safaris.
Felizmente que, em 1964, no auge da euforia
que a indústria dos safaris atravessava, o Banco Nacional
Ultramarino (Banco emissor de Moçambique), criou a empresa SAFRIQUE,
congregando a maioria das coutadas de Manica e Sofala e seus concessionários.
Em boa hora esta iniciativa surgiu porque foi dada uma nova dinâmica a esta
indústria. Fizeram-se avultados investimentos na construção e apetrechamento de
acampamentos nas 9 coutadas concessionadas à empresa, abertura de picadas e
campos de aviação, remodelação da frota de viaturas, instalação de uma eficiente
rede de rádios transmissores receptores, assim como outros melhoramentos. Com
estas melhorias e dotada de excelentes profissionais, quer na direcção quer ao
nível dos caçadores guias, o fluxo de turistas caçadores às coutadas da
Safrique aumentou de tal forma que a empresa se deu ao luxo de seleccionar os
seus clientes, aumentar os custos dos safaris e estabelecer períodos de duração
mínima obrigatória dos mesmos, mais favoráveis financeiramente.
O Adelino (à direita), preparando-se para
conduzir um safari com convidados da Safrique nas
coutadas de Marromeu, em 1973, utilizando um tractor anfíbio que
proporcionava excelente movimentação nos terrenos alagados das planícies
daquela região costeira de Moçambique.
(Foto do autor desta página)
O Adelino Serras Pires, que resistira
inicialmente à participação neste projecto, acabaria por se associar e fazer
parte dos quadros superiores da Safrique. Para além de técnico responsável pela
organização e supervisão dos safaris,
ele foi o embaixador itinerante da empresa em todo o mundo, divulgando o
potencial faunístico das suas concessões de caça e promovendo os safaris. Contribuiu assim, para
o extraordinário sucesso da Safrique, que foi considerada nas décadas de 60 e 70 a maior e mais bem
organizada empresa de safaris de caça em África!
O emblema dourado da SAFRIQUE, que os
funcionários da empresa ostentavam com orgulho.
A mudança política ocorrida em Moçambique,
em 1975, com a sua independência, levaria ao fim dos safaris, entretanto já
afectados desde 1970 pela acção da guerrilha dos nacionalistas da Frelimo
(Frente de Libertação de Moçambique). O Adelino e a maioria dos caçadores
guias tiveram que abandonar o país e demandaram outros países
africanos onde continuaram a sua actividade. Começou por Angola e durante
cerca de dez anos deambulou por outros países potenciais detentores de animais selvagens
de interesse para os coleccionadores de troféus e amantes da caça,
nomeadamente, Rodésia (actual Zimbabwe), África do Sul, Quénia, República
Centro Africana, Sudão, Zaire e Tanzânia. Foram dez anos de constantes
sobressaltos, saltando de país em país sempre que a instabilidade política
local, ou outros factores, a isso obrigava.
A fuga de Angola
(Foto extraída do Livro "Ventos de
Destruição")
Durante cerca de 25 anos ligado à
indústria dos safaris conheceu e caçou nos melhores
locais de caça do continente africano e foi anfitrião e guia de caça de grandes
figuras, como Presidentes de República, Astronautas, Aristocratas, Financeiros,
Políticos, Artistas e Escritores famosos. Foram anos de uma vida plena de
emoções e muito gratificante pelas amizades que fez e que lhe proporcionaram,
ao longo da sua vida, viagens e estadias nos lugares mais sofisticados do
mundo.
Apesar de estar desligado dos safaris há vários anos, o Adelino continua
a participar com regularidade nas convenções anuais de caça promovidas pelas
prestigiosas organizações, International
Safari Club, Dallas Safari
Club, Houston Safari Club e International Professional
Hunters Association, de que é membro, mantendo-se assim em permanente
contacto com o mundo da caça e com os seus amigos e operadores de safaris de caça de todo o mundo.
Com o seu particular amigo Valery Giscard
D'Estaing, em 1976, no Parque Nacional de Chambord, em França.
(Foto extraída do Livro "Ventos de
Destruição")
Naturalmente que viveu também momentos
atribulados e arriscou muitas vezes a sua própria vida devido às mil e uma
situações inesperadas que acontecem no dia a dia do mato africano e na caça. As
próprias guerras internas decorrentes nos países africanos por onde andou,
incluindo Moçambique, arrastaram-no, por vezes, voluntária ou
involuntáriamente, para situações críticas que lhe causaram muitos sofrimentos,
frustrações e avultados prejuízos. Não esquece também perseguições e
espoliações engendradas por certos concorrentes desonestos, que movidos
pela inveja e pela ganância o atraiçoaram e prejudicaram quando estava no top dos safaris e em certas posições conseguidas à
custa de muito trabalho e dinheiro.
Mas o maior drama da sua vida estava
reservado para Moçambique, a sua terra de coração, com a conivência das
autoridades da Tanzânia. Em fins de Agosto de 1984, poucos dias depois de ter
terminado um bem sucedido safari naquele país da África Oriental,
com o seu amigo e ex-Presidente de França, Giscard D'Estaing e família, foi
detido por agentes dos serviços secretos tanzanianos, juntamente com seu filho
Adelino Serras Pires Júnior (Tim-Tim), seu sobrinho Carlos Artur (Caju)
e Rui Monteiro, também parente da família Serras Pires, que igualmente se
encontravam a conduzir safaris no mesmo país. Foram enviados
para a capital de Moçambique, amarrados de pés e mãos e de olhos vendados. Ali
foram encarcerados em celas separadas e mantidos sob permanentes
interrogatórios e sevícias durante quase cinco meses, sob a acusação infundada
de serem inimigos do povo moçambicano e estarem na Tanzânia a preparar um golpe
para derrubar o governo de Moçambique em conluio com a Renamo (Resistência
Nacional Moçambicana), com a CIA, com os "terroristas de
Lisboa" e com Giscard D'Estaing.
Velhas contas que a Frelimo tinha com o
Adelino desde os tempos em que ele enfrentou e repeliu os seus guerrilheiros
quando estes atacavam os acampamentos de caça da Safrique!
O Livro "Ventos de Destruição",
que o Adelino escreveu recentemente com a escritora Fiona Capstick, relata em
pormenor esta aterradora história, cujo epílogo foi a devolução dos
prisioneiros à liberdade depois de cerrada e permanente intervenção de
algumas individualidades, governos e organizações internacionais, com destaque
para o General Ramalho Eanes (na altura Presidente de Portugal), de
Valery Giscard D'Estaing, da Cruz Vermelha Internacional, do Crescente
Vermelho, da Amnistia Internacional, da International
Hunting and Game Conservation, do Gabinete do Rei de Espanha, da Família
Aznar, etc, etc,.
Foi um capítulo doloroso de uma
longa vida cheia de aventuras, paixões, emoções e também de muito amor a Moçambique.
Uma obra que apesar da singela
apresentação como "Memórias e aventuras de caça em Moçambique",
ela é, para além disso, um documento
histórico de relevante importância.....
Os contactos que tive com este homem, quer
durante os safaris dos Villaverdes em 1963 e 1964, quer ao longo dos anos que
se seguiram e que culminaram com a mudança política em Moçambique, em 1975,
ajudaram a conhecê-lo com alguma propriedade. Era um caçador discreto e bem
organizado, nunca fazendo alarde dos seus feitos mesmo quando os seus clientes
obtinham troféus raros ou abatiam animais de difícil aproximação e abate,
nomeadamente búfalos, elefantes, leões e leopardos. Conhecia bem o mato e os
animais selvagens, fruto de uma vida familiar ligada ao interior onde as
caçadas eram o passatempo preferido e por vezes obrigatório quando se tratava
de abater animais perigosos que atacavam as populações rurais. Ele iniciou as
suas lides venatórias quando tinha apenas oito anos de idade acompanhando seu
pai e um tio a uma caçada a leões devoradores de pessoas, perto de Tete, caçada
essa que culminou com o abate de cinco destes felinos e a captura de duas
crias. Depois dessa perigosa e emotiva experiência, que se encontra narrada no
livro "Ventos de Destruição", seguiram-se outras
idênticas e depressa se tornou um apaixonado pela caça. Escreveu, no mesmo
livro, a propósito da sua iniciação nas lides venatórias, o seguinte:
Foi ainda antes da adolescência que entrei
numa fantástica espiral de
aprendizagem com o meu pai a respeito do
mato africano, da caça, das
armas de fogo e da vida selvagem em
geral.
...................................................................................................................
O meu pai ensinou-me praticamente tudo o
que sei a respeito da vida e do
mato africano. Houve três coisas, muito em
particular, que ficaram
gravadas na minha memória e que constituem
preceitos
aplicáveis à vida em geral: defende o teu
terreno; nunca vires
as costas; enfrenta o perigo! Para além
disso, também me
instilou um amor selvagem por África, amor
esse que
alimentou uma subsequente e nunca minorada
fúria
perante os ultrajes que a minha geração
iria acabar por sofrer.
(Pág.s 34 e 35)
Para além dos conhecimentos de caça, da
vida selvagem e do mato africano, o Adelino reunia ainda um conjunto de
condições que o creditavam como um dos guias de caça turística melhor
preparados em
Moçambique. Falava fluentemente duas das línguas estrangeiras
mais utilizadas pelos clientes (inglês e espanhol); falava o Afrikanse (uma das
duas línguas oficiais da África do Sul, o que lhe permitia entender-se com
algum desembaraço com alemães, belgas e holandeses uma vez que as respectivas
línguas têm muito de comum); dominava as duas principais línguas nativas da
região de Manica e Sofala e Tete (chissena e chinyungwe); era dotado de uma
excelente compleição física ( mais de um metro e oitenta de altura), bem
musculada e equilibrada em peso; tinha muita prática de enfermagem e conhecia
as principais doenças tropicais; Era um excelente mecânico auto; cozinhava
óptimos pitéus à base de produtos da caça; tinha uma cultura geral acima da
média, fruto da sua formação em escolas inglesas de renome, na antiga Rodésia
(actual Zimbabwe) onde completou o curso secundário de Cambridge. Para além da
formação académica, recebeu também preparação militar graduada com o nível de
sargento-cadete e praticou uma vasta gama de actividades desportivas,
nomeadamente, boxe, ténis, futebol, râguebi, críquete, polo aquático e hóquei
em campo.
Escreveu a propósito da sua vida de
estudante, o seguinte:
Muito francamente, estava farto da vida
académica e aquela viragem
nos acontecimentos reforçou o meu desejo de
voltar a Moçambique,
o meu primeiro amor. As suas terras
bravias, a espantosa vida animal, as
belas praias, o povo hospitaleiro, e uma
atmosfera de tolerância geral e de
harmonia tinham há muito escravizado a
minha alma
Queria voltar para casa.
(Pág. 45 do Livro "Ventos de
Destruição")
Moçambique era, de facto, a sua
terra de coração. Para ali fora com apenas oito anos de idade e toda a sua
família criara raízes muito fortes naquele território. Seu pai,
fora para aquela colónia portuguesa em 1933, fixando-se primeiro em Tete e
depois no Guro onde construiu e dirigiu uma vasta rede de lojas de comércio e
uma quinta agrícola de grandes dimensões.
Foi na quinta do Guro que conheci o
patriarca Serras Pires, no já longínquo ano de 1963. Ele e sua esposa, a
"indomável" Dona Maria, logo me "perfilharam" e na sua casa
tive sempre, ao longo dos anos que trabalhei na Província de Manica e Sofala,
um lugar à mesa e um quarto para pernoitar. Era um regalo fazer uma pausa
naquele oásis recheado de todas as comodidades, depois das cansativas
viagens que fazia na região e consolava-me conversar com os simpáticos
anfitriões, sempre dispostos a prolongadas cavaqueiras. Aliás, era prática
corrente desta simpática e hospitaleira família receber na sua casa quem
passava pelo Guro, uma povoação situada no caminho para Tete e muito longe dos
meios desenvolvidos!
Tenho esperança de voltar àquelas
longínquas paragens e visitar o local onde o saudoso pai Serras Pires se
encontra sepultado, por vontade própria manifestada em vida. Ele levou-me um
dia a visitar esse local, situado num ponto elevado, com árvores frondosas por
si plantadas e não longe da residência. Dali se vislumbrava a imensidão e
beleza da quinta com as belas montanhas recortando o horizonte. Explicou-me que
fora nesse preciso local onde acampou pela primeira vez quando foi escolher o
lugar para criar a sua quinta. Viria depois a elegê-lo como o ponto sagrado
onde um dia gostaria de ser sepultado.
Os filhos cumpriram e só lamentam
terem sido impedidos de dar seguimento à grande obra do seu progenitor.
Viram-se forçados a sair de Moçambique e perderam todo aquele império comercial
e agrícola que era o baluarte da família.
Só muito recentemente, volvidos mais de 25
anos, o Adelino pôde visitar aquele local sagrado da família, sujeitando-se ao
choque e à profunda tristeza que o desolador cenário lhe provocou: tudo
literalmente destruído! Os edifícios comerciais e agrícolas e a bela mansão da
quinta foram reduzidos a escombros durante esses 25 anos. A propriedade voltou
a ser o mato selvagem de outrora e a campa rasa do velho patriarca sofreu
também do abandono e do vandalismo!
José Serras Pires em 1937, junto de uma leoa
devoradora de homens, abatida perto de Tete.
(Foto extraída do Livro "Ventos de
Destruição")
UMA HOMENAGEM MERECIDA
A propósito da publicação do seu já famoso
livro "Ventos de Destruição", cujo lançamento da versão em inglês
ocorreu nos USA em 2001 e da versão em Português, em Lisboa, em 2002, um grupo
de amigos homenageou em 27 de Setembro último os seus autores, o Adelino e sua
companheira Fiona Capstick, que vivem na África do Sul e estiveram recentemente
em Portugal de visita a seus familiares. Mais de meia centena de pessoas
reuniram-se com os homenageados num almoço, em Lisboa, testemunhando-lhes o seu
apreço pela obra em
causa. Muitas outras pessoas enviaram mensagens associando-se
à homenagem.
O simpático casal Fiona e Adelino no dia da
homenagem em Lisboa.
A esse grupo de amigos se juntou o autor
deste Álbum, que assim teve a oportunidade de rever um velho amigo e de
conhecer a simpática Fiona! A ambos reafirmei o que já escrevera a propósito do
seu Livro: uma obra que apesar da singela apresentação como "Memórias e
aventuras de caça em Moçambique", ela é, para além disso, um documento
histórico de relevante importância, no que à caça e à indústria dos safaris diz respeito, pois aborda com genuína
lucidez e autenticidade o nascimento e a morte da indústria dos safaris de caça em Moçambique da época
colonial. Dá-nos a conhecer, também, o que se passava noutros países africanos
que connosco competiam nesta indústria e fica-nos (a nós e a todos que tinham
essa convicção) a consoladora certeza de que não estávamos enganados quando
afirmávamos que Moçambique tinha as melhores condições de toda a África para
oferecer os melhores safaris do continente.
Infelizmente os ventos de destruição
mataram essas convicções e só temos que lamentar os nossos irmãos moçambicanos
das gerações presentes e futuras, que não tiveram nem terão o privilégio de
conhecer o rico património que era a fauna selvagem, que enchia as matas, as
savanas, os rios, os lagos, as planícies e as montanhas de norte a sul do seu
país e que se tivesse sido preservado, como nós o fizemos, seria uma grande
fonte de divisas para o Estado e um potencial celeiro de proteínas para o povo.
Mas também reafirmei ao Adelino quanto
apreciei a justeza das suas afirmações e condenações sobre o processo de
descolonização (ele e nós nunca estivemos contra a descolonização, simplesmente
condenamos a forma como foi feita e conduzida pela parte portuguesa) e os males
que daí resultaram não só para os portugueses como para os próprios
moçambicanos. Aliás, esta posição foi tomada de uma forma geral por todos os
amigos presentes, que muito compreensivelmente pouparam o homenageado a
recordações funestas sobre a forçada odisseia por ele vivida e sofrida, juntamente
com três seus familiares, durante o cativeiro na Tanzânia e nas masmorras
da Machava, em meados da década de 80.
O Livro "Ventos de Destruição"
(que também é um grito de revolta de um dos mais inconformados espoliados das
ex-colónias portuguesas em África), é o primeiro documento consertado e fiel
sobre o turismo cinegético em Moçambique da época colonial, pelo que fará parte
dos anais da história da fauna bravia, caça e caçadores de Moçambique, que a
seu tempo terá de ser feita em profundidade e para a qual vamos dando a nossa
modesta contribuição nesta página.
O autor desta página com o Adelino e a
simpática Mamã Teresa, proprietária do Restaurante
onde se efectuou o almoço de homenagem no
dia 27 de Setembro último.
Sirvo-me das palavras finais do Adelino no
seu Livro para encerrar estas notas, pois elas são muito gratificantes para a
memória de todos aqueles que tiveram o privilégio de viver os tempos áureos do
nosso querido Moçambique!
Agora que estou a chegar ao fim da
picada, depois
de uma vida cheia e aventurosa, compreendo
com
mais clareza que foi a minha geração, sem
qualquer dúvida, que experimentou o melhor
de
África e da sua incomparável vida selvagem!
(Pág. 317)
Marrabenta, Outubro de 2003
Celestino Gonçalves
FONTES:
a)- Memória e apontamentos do autor
b)- Livro "Ventos de Destruição"
%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%
SEGUE-SE (NA TRADUÇÃO RECEBIDA) A CARTA PUBLICADA NO "AFRICAN INDABA", DA AUTORIA DE UM AMIGO PRÓXIMO DO ADELINO SERRAS PIRES
PARA QUEM FOI AMIGO DO ADELINO OU APENAS
PARA QUEM O CONHECEU!...
Farewell to Adelino Serras Pires in AFRICAN INDABA
INDABA AFRICANO »GERAL notícias da África» ADELINO SERRAS PIRES 1928-2015
Setembro de 2015, VOLUME 13-4
Adelino Serras Pires, um dos
grandes nomes da caça Africano safari nos deixou. Ele morreu em Pretória
em 10 de Agosto de 2015, quase 87 anos de idade. Ele foi um dos
primeiros pioneiros vigorosos, ao longo dos anos 1950 e 1960 até o início dos
anos 1970 no desenvolvimento de eco-turismo da Gorongosa Game Reserve em
Moçambique. Ele foi um dos primeiros a trazer
turistas estrangeiros para o Parque e ele investiu seu tempo e dinheiro no
desenvolvimento do campo de Chitengo em 1954. O símbolo do Park - uma cabeça de
leão dourado - foi escolhido por Adelino da caça desportiva livro de Marcus
Daly (1937) que Adelino recebeu como prêmio em Prince Edward School, em
Salisbury, Rodésia do Sul. Esse símbolo continua como a
"cara" do Parque até hoje.
Vol13_4_art14Throughout sua vida
Adelino era conhecido por sua humildade e bondade. Sua generosidade não conhecia limites. Ele foi o grande
senhor do safari de caça tradicional Africano, tranquilamente falado, muito bem
educado e charmoso para o núcleo de sua nobre alma.
Um homem de integridade
translúcido e coragem implacável diante da corrupção e covardia, Adelino sofreu
muito em sua vida por causa de suas convicções inabaláveis sobre o que era
certo eo que era errado.
Nascido em Ponte de Sor em
Portugal, Adelino chegou como uma proposta de 8 anos de idade no porto da
Beira, na costa de Moçambique. Algumas semanas mais tarde, seu pai o
levou a perseguir um grupo de leões comedores de homens; esse rito de passagem selado o destino de Adelino: ele iria caçar para
viver e viver para a aventura.
E uma vida de aventuras que ele
tinha de fato - como um jovem rapaz que conheceu John "Pondoro"
Taylor em 1940 na frente de um bar famoso em Tete, no rio Zambeze. Depois de se matricular em Prince Edward High School, em Salisbury (atual
Harare) Adelino voltou a Tete em 1947 e assumiu um trabalho de prospecção com
Goldfields.
A fazenda da família Serras em
Guro, na área do que mais tarde ficou conhecido como Coutada 9, foi a área
central de onde Adelino começou a organizar safaris de caça em Moçambique.Em
1959 Adelino foi para a América para promover o turismo e caça em seu país. Este reuniu-se com pouco sucesso inicialmente, mas, em sua viagem de volta,
ele parou em Espanha e conheceu Max Borrell. Os primeiros safaris
foram planejadas e Adelino nunca olhou para trás. Como a força de
marketing internacional de Safrique, Adelino ajudou a impulsionar a empresa
para o equipamento maior e mais bem organizada para a caça safaris em África,
no final da década de 1960.
Adelino andou e caçado o deserto
Africano em Moçambique, Sudão, Angola, Zaire, Tanzânia, Rodésia, África do Sul
e Central Africano República com a realeza europeia e da aristocracia, os
presidentes estaduais, generais americanos, os astronautas e os empresários, os
vencedores Weatherby Award e, na verdade caçadores de todos os caminhada da
vida.
Junto com seu amigo, alma gêmea e
amada esposa, Fiona Claire Capstick, Adelino escreveu uma vida de aventuras no
livro Ventos monumentais de Havoc: A Memoir of Adventure e Destruição em África
mais profunda em um retrato comovente de uma vida e do tempo que já não existem
mais para sempre. Eles descrevem não só da infância e da
caça, mas também a forma como as forças de revoltas africanas pós-coloniais
apanhados.Adelino, seu filho, seu sobrinho e um companheiro caçador foram
sequestrados na Tanzânia e entregue à polícia secreta em controlado por Frelimo
de Moçambique. Em detalhe de arrepiar os cabelos,
Adelino relata meses de tortura e interrogatório, que quase lhe custou a vida,
e as circunstâncias traiçoeiras que ele desembarcou naquele inferno. No entanto, apesar de suportar o sofrimento inimaginável, este homem de
vontade férrea se recusou a desistir de seu amor feroz ainda crítico para a
África, os africanos e vida selvagem Africano. Este pioneiro
cavalheiro realmente viveu entre dois fogos, e lutou estragos.
Apenas um par de meses antes de
sua morte, Fiona e Adelino veio para um almoço prolongado em nossa casa em
Rivonia. Seu espírito guerreiro vivo e espumantes
como sempre, Adelino falou sobre a caça ea conservação. Sua convicção implacável e determinado que a caça bem regulado pode
contribuir imensamente para a conservação da vida selvagem Africano permeou a
conversa. Quando nos despedimos com o abraço
tradicional Português Eu não tinha idéia que era um último adeus a este ícone
de caça Africano e um amigo com quem eu infelizmente nunca compartilhou uma
fogueira no meio do mato.
José Flávio Taveira Pimentel Teixeira from the Eduardo Mondlane University
in Maputo and columnist in ‘Canal de Moçambique’ wrote a fitting farewell to
Adelino on August 11th:
Morreu-me hoje um
grande amigo. Homem grande de coragem e integridade feito. Envolto em polémicas
e controvérsias assim as confrontou – sem medo e seguro das escolhas que fez,
mesmo em desagrado da maioria.
Morreu hoje um caçador apaixonado,
para quem a ética da caça era ainda um valor a respeitar. Conhecia o mato como
ninguém e com ele aprendi que aparentes opostos de podem casar num homem com
rectidão.
Morreu-me hoje um amigo com quem
nem sempre concordei, mas que sempre admirei e respeitei. Morreu-me. Deixou-me
as memórias dos momentos comuns e a lembrança da amizade que nos uniu.
Morreu-me hoje um amigo.
Morreu o Adelino Serras Pires.
Adeus, meu amigo, e boa caça nas
terras de caça eternas.
Autor: Gerhard R Damm
(Fim de citação)